terça-feira, 2 de junho de 2009

Francisco Fillipack - Mestre em linguística - Membro da Academia de Letras do Paraná

Com imensa satisfação apresentamos aos internautas de Santa Catarina e do Brasil peças do Dicionário Catarinense, de autoria do acadêmico Isaque de Borba Corrêa, membro da Academia Desterrense de Letras, de Florianópolis.
Isaque de Borba Corrêa, filho do pescador Germano Corrêa e Almira de Borba Corrêa, nasceu no Canto da Praia, em Balneário Camboriú, Santa Catarina, em 13 de novembro de 1960. Herdeiro da cultura luso-açórico-vicentista, inspirado por um arraigado atavismo à sua terra. Isaque, através de suas obras, busca resgatar a história do passado de seu torrão natal, bem como os genuínos falares luso-açórico-vicentistas implantados pelos seus ancestrais, que se estabeleceram no Vale do Rio Camboriú em 1823.
Em 1985, como estudioso da História de Camboriú, editou História de duas cidades: Camboriú e Balneário Camboriú.. Em 1992, retratando o acervo lexical dos originais falares regionais do Vale do Rio Camboriú, editou pela UNIVALI o Dicionário Papa-siri, incentivado por mim, que escrevi e publiquei o Dicionário Sociolingüístico Paranaense, entre outros. Em 1998, publicou a Escravatura em Camboriú, fonte valiosa para estudiosos deste palpitante tema que manchou a história do Brasil. Atualmente ele tem diversos outros trabalhos publicados em outras ciências. Tem o Poranduba Papa-siri e Apotegma, na área de folclore, O Pirão com Milongas, que é um extraordinário trabalho de antropologia social e cultural. Os livros Colóquio e Solilóquio, também são de cunho antropológico, sempre voltados para o homem do litoral catarinense. Dentre os biográficos eu destaco o Espatário de Santiago, um épico extraordinário, envolvendo um dos maiores personagens da história da península ibérica na Idade Média. Agora ele concluiu a maior biografia que se tem conhecimento acerca de São Tomé, o Apóstolo de Jesus, que segundo o autor, através das provas coletadas, afirma que o Santo esteve evangelizando na América.
Isaque de Borba Corrêa prosseguiu durante anos a pesquisa dialetológica em torno dos falares açoriano-vicentistas do litoral de Santa Catarina. Desta garimpagem sociolingüística nasceu o Dicionário Catarinense, fruto de uma tenaz e apurada pesquisa que visa resgatar do esquecimento os falares, os dialetos das duas correntes migratórias, a açoriana e a vicentista, que entre 1640 e 1748 povoaram a orla marítima do maravilhoso litoral de Santa Catarina.
Chamamos de variantes intralingüísticas regionais, consoante Juliette Garmadi, as variantes que ocorrem dentro do próprio vernáculo, isto é, dentro da própria língua portuguesa e de interlingüísticas as variantes que ocorrem com o concurso de outras línguas como o alemão, italiano e inglês, etc. O Dicionário Catarinense nos surpreende pelo seu léxico alentado, que, na opinião do seu autor, objetiva resgatar e salvar da extinção, expressões, locuções, vocábulos dignos de serem revividos.
O estudo sociolingüístico dos falares catarinenses pode vincular-se a um critério histórico-geográfico em que a Serra Geral ou do Mar caracterizam o Estado em Santa Catarina serra-abaixo e serra-acima.
Santa Catarina serra-abaixo compreende o vasto litoral, considerado desde a fundação da Capitania de Santa Catarina em 1738 como tradicionalmente catarinense. Santa Catarina serra-acima compreende todo o planalto serrano, denominado pelos mapas históricos de “Sertão de Coritiba” ou “Campos Coritibanos”, bem como o antigo território do “Contestado”. O atual planalto catarinense pertenceu inicialmente à província de São Paulo, cujas divisas com o Rio Grande do Sul eram formadas pelos rios Pelotas e Uruguai. Em 1853, com a criação da Província do Paraná, este território paulista-coritibano passou à jurisdição do Paraná. Em 1916, pelo acordo de limites entre os governos do Paraná e Santa Catarina, ratificado pelas duas assembléias legislativas, este território paranaense passou à jurisdição política de Santa Catarina.
À luz destes tópicos histórico-geográficos, passemos aos falares catarinenses.
O atual panorama etnolingüístico de Santa Catarina caracteriza-se por diversas facetas culturais, estribadas nas correntes migratórias que povoaram o território barriga-verde entre 1640 e 1950, a saber: a vicentista, a açoriana, a germânica, a italiana, a polonesa, a parano-paulista e, por fim, na primeira metade do século XX, as correntes ítalo-teuto-gaúchas estabelecidas no Vale do Rio Uruguai e no extremo oeste catarinense.
A vasta orla marítima do litoral de Santa Catarina, entre 1640 e 1684, recebeu contingente migratório vicentista (de São Vicente, São Paulo) de 4.197 pessoas que foram assentadas em 1640 em São Francisco do Sul, em 1675 em Nossa Senhora do Desterro e em 1684 em Laguna, no sul do Estado.
A póvoa de São Francisco foi fundada em 1640 pelo parnaguara Gabriel de Lara, a póvoa de Nossa Senhora do Desterro em 1675 por Francisco Dias Velho e a póvoa de Laguna em 1684 pelo vicentista Domingos de Brito Peixoto.
A corrente migratória açoriana composta de 6.071 migrantes, entre 1748 e 1756, povoou o litoral central e sul de Santa Catarina, situado entre Florianópolis e Laguna. Com este contigente açoriano-vicentista a população de Santa Catarina em 1756 elevou-se a 10.268 habitantes.
No final do século XIX seguiu-se uma das maiores correntes migratórias, a germânica, que se estabeleceu no interior do litoral de Santa Catarina, formando as maiores cidades deste Estado. No mesmo período chegou a Santa Catarina a imigração italiana que se instalou no interior do Estado.
A colonização polonesa também está presente, desde 1872, em Santa Catarina em diversas cidades.
O povoamento do planalto catarinense, antigo sertão de Coritiba, iniciou-se em 1731 com a abertura do “caminho de tropas” entre Sorocaba (SP) e Viamão (RS). O tropeirismo, no seu constante vai-e-vem, durante 166 anos (1731-1849) fez surgir pousos e pequenas vilas, hoje cidades, como Lages, Curitibanos, Santa Cecília, Papanduva e Mafra.
Os tropeiros, na maioria oriundos dos Campos Gerais do Paraná, outros de Lages e Vacaria, deixaram marcas indeléveis legando ao planalto catarinense a cultura curitibana e os falares paranaenses. Na segunda fase do tropeirismo, entre 1845 a 1920, os tropeiros dos Campos Gerais, abriram uma nova rota tropeirista entre Palmas, Xanxerê, Chapecó e Corrientes na Argentina, onde difundiram a linguagem tropeirista e os falares do Paraná tradicional.
Na primeira metade do século XX ocorreram as imigrações ítalo-teuto-gaúchas no oeste de Santa Catarina, antigo “Contestado”, bem como na década de 1950 ocuparam os espaços vazios no sudoeste do Paraná. Além de trazer grande desenvolvimento e progresso, trouxeram uma grande contribuição sociolingüística, injetando nos falares parano-catarinenses do planalto, dialetos e variantes gauchescas que enriqueceram o cabedal intralingüístico e interlingüístico dos falares barrigas-verdes.
Agradecendo a distinção destas notas introdutórias, desejamos ao autor, muito sucesso na difusão dos tradicionais falares da colônia açórico-vicentista do litoral catarinense.

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